domingo, 29 de abril de 2012

Espigueiros do Soajo ( a cerca de 8 quilómetros)





Espigueiros do Soajo e Lindoso

A ARTE E O ENGENHO DE GUARDAR O MILHO



Suzana Faro e Joel Cleto (texto)


As vizinhas povoações do Soajo (Arcos de Valdevez) e Lindoso (Ponte da Barca) albergam dois dos mais famosos conjuntos de espigueiros existentes em Portugal. Contudo, embora sejam símbolos emblemáticos e testemunhos privilegiados do forte impacto e da verdadeira revolução agrícola que o milho operou nestas terras atlânticas desde que, no século XVI, aqui foi introduzido, a verdade porém é que, entre nós, a origem dos espigueiros radica na mais remota Antiguidade. Tudo porque... aqui há rato!

Não é o maior conjunto de espigueiros do país. Mas é seguramente o mais imponente. Construídos inteiramente em pedra, os 24 espigueiros do Soajo encontram-se “reunidos a esmo no cimo do penedo” – um longo afloramento granítico que além de acolher estas tradicionais manifestações da arquitectura do mundo rural, destinadas à armazenagem e secagem do milho, reserva também um vasto e fundamental espaço central: a eira comum.
Se a grande concentração de espigueiros é factor fundamental da imponência deste conjunto, não é menos verdade que muita da sua monumentalidade resulta do facto daquele afloramento ser bastante alto, convertendo-se numa autêntica “defesa natural” que salvaguarda aquelas construções dos animais, particularmente das galinhas, e dos incêndios.
Mas, foi um outro perigo, uma outra praga, que terá feito surgir entre nós os “espigueiros”. Não possuíam, contudo, então esta designação. Até porque as “espigas” do milho maíz, que estão na origem da sua denominação, só foram introduzidas na região no século XVI, após a descoberta das Américas, de onde é originário aquele cereal.
Não sabemos exactamente quando surgiram os espigueiros, mas é indiscutível que, muito semelhantes aos que hoje conhecemos, já existiam na Idade Média como comprovam os desenhos de várias iluminuras dessa época ou referências documentais em textos datados de 1032, 1057 ou 1075, servindo então para guardar as espigas do milho alvo e cereal de pragana por malhar. Indiscutível parece ser também que na origem destes “celleiros” ou “celarios” esteve, efectivamente, uma enorme e permanente praga da região: os ratos. Com efeito, para lá da sua clara função de armazenagem e secagem ventilada, é evidente nas suas características e no engenho construtivo a preocupação que estas estruturas denotavam em resguardar o cereal daqueles roedores. Uma das estratégias mais habituais, e perfeitamente visível no Soajo, é a colocação de grandes pedras circulares entre os pés e o restante corpo dos espigueiros, constituindo um obstáculo intransponível para os ratos que possam ter subido na vertical ao longo das pernas da construção. Grande parte dos espigueiros deste conjunto utilizou, para esse fim, velhas mós de moinhos.
A grande abundância de ratos no noroeste da Península Ibérica, já mencionada por Estrabão no início da colonização romana – e que levou mesmo, na Cantábria, a que as autoridades romanas premiassem quem os matasse – só começou a ser atenuada na Baixa Idade Média com a vulgarização do gato doméstico.
Mas, nem só os ratos explicam a génese destas típicas estruturas de armazenagem. Os factores climáticos, nomeadamente a forte humidade do noroeste peninsular, foram também fundamentais no aparecimento destas construções que, embora fechadas e bem resguardadas dos agentes climáticos adversos, permitiam uma boa secagem e, em simultâneo, o armazenamento do milho em boas condições, que passavam, entre outras, por uma ventilação adequada.
O facto do milho em grão, guardado em caixa, não se conservar em média mais do que um ano, enquanto na espiga pode conservar-se durante anos, terá contribuído, fundamentalmente após a introdução do milho maiz, para algumas mudanças operadas nos espigueiros, de que são exemplo um crescimento das suas dimensões e o aparecimento de características arquitectónicas mais duradouras que, como aconteceu no Soajo, resultou mesmo na sua total petrificação. Paulatinamente, e de forma mais notória a partir do século XVIII, estes espigueiros acabaram por fazer desaparecer – já na segunda metade do século XX – os canastros ou caniços, “celeiros” mais primitivos e construídos na sua totalidade com elementos vegetais. Os últimos canastros do Soajo, que se implantavam ao lado dos espigueiros, feitos de verga de carvalheiras, eram ainda visíveis há cerca 20 anos.
Mas, se é verdade que os 24 espigueiros do Soajo acabam por constituir uma das maiores concentrações de espigueiros exclusivamente em pedra existentes no país, outros conjuntos há que, pela abundância e diversidade de tipologias que albergam, merecem também uma referência. É o caso, a uma dezena de quilómetros de distância do Soajo, do agrupamento de espigueiros do Lindoso. São 64, reunidos num curto espaço, embora não tão monumental quanto o do Soajo. Constituindo, provavelmente, o maior conjunto do país, os espigueiros do Lindoso dividem-se em diversos tipos, desde os que são exclusivamente em pedra a outros que combinam de diversos modos diferentes materiais, nomeadamente o granito, a madeira, a lousa e o tijolo. Tal como no Soajo, estes espigueiros concentram-se em torno de uma única e rectangular eira, testemunhando assim a importância do trabalho colectivo que tão intrinsecamente caracterizou estas comunidades de montanha durante séculos.

Como chegar

Para se deslocar ao Soajo deverá o leitor tomar a estrada nacional 202 a partir de Arcos de Valdevez. Chegados à povoação encontrará, poucas dezenas de metros depois, à esquerda, um desvio devidamente sinalizado que o conduzirá até aos espigueiros. Na base do penedo sobre o qual assenta o conjunto monumental (classificado como Imóvel de Interesse Público em 1983) é possível aparcar sem grande dificuldade.
Para visitar o conjunto de espigueiros do Lindoso necessita o leitor, que se encontra no Soajo, tomar a estrada municipal que liga esta povoação a Paradela. No entanto, seis quilómetros depois, um quilómetro antes desta última localidade, deverá seguir o desvio que se lhe depara à direita e que o conduzirá, depois de atravessar o rio Lima, até à estrada nacional 304-1 que liga Ponte da Barca a Lindoso. Aqui chegados é muito fácil deparar com os espigueiros, igualmente classificados como Imóveis de Interesse Público em 1983, já que eles se encontram numa das vertentes do morro, fronteiro à povoação, dominado pelo Castelo de Lindoso.

Como ver
Não há qualquer tipo de constrangimento à visita (vedação, horário de visitas ou cobrança prévia de bilhetes). Aconselha-se, particularmente no caso do Soajo, algum cuidado com as crianças, uma vez que o afloramento sobre o qual o conjunto foi edificado é efectivamente bastante alto. Durante a visita repare nalguns pormenores interessantes. Caso de datas gravadas nos lintéis, de que são exemplo 1720, 1762, 1799 ou 1884 (no Soajo), 1787, 1803, 1887, ou mesmo 1903 ou 1967 (em Lindoso) – estas datas referem-se, muito provavelmente, à sua construção. No Soajo é incontornável a visão do belíssimo trabalho do ripado granítico das paredes laterais e alguns pormenores artísticos talhados na pedra, contrastando a perfeição dos acabamentos dos espigueiros com a grande rudeza das restantes construções tradicionais da aldeia. De notar, igualmente, que por regra o topo traseiro dos espigueiros está voltado para sudoeste, protegendo-os das chuvas dominantes.

Para saber mais
Carlos Alberto Ferreira de ALMEIDA - “A Arquitectura Românica de Entre-Douro-e-Minho”. Vol.II. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1978, p.66-68.
Jorge DIAS, Ernesto Veiga de OLIVEIRA e Fernando GALHANO – “Os Espigueiros Portugueses”. Porto, 1963.
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – “Conjunto de todos os Espigueiros do Soajo e “Conjunto de Espigueiros do Lindoso” in http://www.monumentos.pt


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